Quando uma pessoa adoece, principalmente em se tratando de doenças graves, incapacitantes, em fase avançada, com pouca ou nenhuma possibilidade de cura e que ameace a continuidade da vida, ela não sofre somente de dores ou sintomas físicos. Nesse contexto é possível que se depare também com dores emocionais, dores sociais, dores espirituais. Ou seja, uma dor física nunca está sozinha.
O termo Dor Total foi cunhado pela assistente social, enfermeira e médica inglesa Cicely Saunders, uma das precursoras do movimento cuidados paliativos modernos, na década de 60. Para ela a dor era considerada uma chave para se trabalhar outros problemas que também precisavam ser considerados na vida dos seus pacientes, dessa forma suas dores seriam manejadas de maneira ampla e adequada.
Ao cuidar de pessoas enfermas e/ou em fase final de vida, observou que o sofrimento delas ia além das dores físicas. Algumas tinham as dores físicas controladas, mas continuavam sofrendo outras dores.
Foi então que propôs o cuidado integral e holístico do sofrimento dessas pessoas, olhando também para os aspectos psicossociais e espirituais que as compunham.
Nessa perspectiva todas as dimensões do sofrimento humano carecem de cuidado, de avaliação, de investigação e de alívio.
Quando nos deparamos com contextos como esses é primordial entendermos que a vivência da dor, seja ela de qual dimensão for, é única e pessoal. Só quem sente a dor pode dizer qual sua intensidade e profundidade.
Ao levarmos em consideração o contexto em que essa pessoa está inserida, sua cultura, sua história, seus valores, o que é importante pra ela, enfim, sua biografia poderemos oferecer um cuidado individualizado.
Cada pessoa vai ter sua vivência e percepção da dor de forma diferente, variando conforme suas referências, seu momento, os fatores que interferem na sua vida, seu limiar de suportabilidade, seus recursos internos de enfrentamento.
Para manejar todas essas dimensões é necessário que vários profissionais sejam envolvidos nos cuidados pois cada um deles vai tratar a dor especificamente. Além do tratamento medicamentoso outras formas de tratar as dores são incluídas. As psicoterapias, as terapias complementares, o apoio social e espiritual.
Enfrentar o adoecimento pode trazer inúmeros questionamentos e preocupações e para isso a pessoa precisa ter espaço para falar de suas angústias, de seus medos, de seus incômodos, de suas dores. Precisa de acolhimento e acima de tudo não ser julgada.
A dor física é mais fácil de ser localizada, mas as outras dores, considerando sua subjetividade, vão requerer ainda mais interesse e um olhar atento e pormenorizado para que sejam devidamente identificadas e tratadas. E é se interessando pela pessoa que sofre que conseguimos ajudá-la de maneira mais eficaz, focando nas suas necessidades.
É muito comum nesse momento as pessoas buscarem sentido para tudo aquilo que estão vivenciando, e nesse momento surgem muitas dúvidas e questionamentos, colocando à prova suas crenças mais íntimas e profundas.
Aqueles que professam alguma fé ou alguma religião poderão buscar apoio aí para enfrentar suas dores e encontrar seu sentido de vida muitas vezes. Lembrando que o apoio espiritual pode ou não ser encontrado nas religiões pois espiritualidade e religiosidade são coisas diferentes.
Como podemos perceber a dor é um aspecto amplo e precisa de múltiplos olhares para ser entendida, ser avaliada, ser tratada e ser aliviada.
É disso que se trata a dor total.
* Jociane Casellas é psicóloga formada pela Universidade Tuiuti do Paraná em 2000. Pós-graduada em Psicologia Clínica com ênfase na abordagem Sistêmica (UTP). Pós-graduada em Psicologia Hospitalar (HC-UFPR). Pós-graduada em Psicologia Transpessoal (FIE). Especialista em Cancerologia pelo programa de residência multiprofissional do Hospital Erasto Gaertner e Ministério da Saúde. Mestre em Bioética (PUCPR). Atuante em Cuidados Paliativos. Trabalha na área da saúde tanto na assistência como na docência, com temas sobre morte, luto, humanização, cuidado integral, comunicação em saúde.
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