Franz Krajsberg e a dor do mundo

Um homem entre árvores mortas é, entre nós, a imagem mais contundente de uma dor desconhecida: o clamor mudo dos vegetais ardidos na calamidade ambiental que nos abate em meio ao século XXI. Suas árvores retorcidas e calcinadas, manchadas de vermelho sangue, traduzem na forma artística uma dor que o próprio artífice parece ter intuito no âmago do mundo. Ancestral, essa dor seria, segundo o filósofo alemão Arthur Schopenhauer, o fundo mesmo de tudo o que existe, mas cuja força, apenas o artista, pela sua sensibilidade, poderia apreender e comunicar na forma de sua obra. Para o filósofo, “toda vida é sofrimento”. Para o artista, todo sofrimento é matéria artística e o depoimento de um crime.

Essa é a grandeza de Franz Krajsberg. Sua obra é a comunicação do desespero das coisas mudas. Cada árvore retorcida é expressão dessa dor que está lá, no corpo da planta, corroendo o que é rendido pelo fogo, pelo machado, pela motosserra e todas as outras unhas de aço que destroem o que ainda resta de floresta nas divisas do mundo. A imagem, contudo, traduz mais do que a dor vegetal. Cada árvore é um cosmos: junto com ela, morrem os pássaros, os insetos, os mamíferos e todos os que nela habitam e dela dependem para viver. Sua dor, por isso, está investida daquele queixume de raízes e troncos, cujos corpos expostos, desnudos e ocos, são a caveira de todos nós.

Krajsberg elucidou esse terrível destino, como testemunho de um horror. Mas a sua não é a dor da vontade nunca satisfeita, que fomenta a existência de tudo. A dor surda da sua obra é uma dor produzida pela aflição do fogo e a destruição de tudo que morre nas mãos do progresso. Caules incinerados, troncos, raízes e frutos secos são esculturas-não-esculpidas (quase anti-esculturas), na medida em que parecem ter sido apenas recolhidas desse inferno, enquanto ainda morriam no meio da catástrofe. Como se fosse pouco, muito pouco, ao artista, ao que parece, coube o resgate. O principal – que era a dor – já estava lá. Mas esse é apenas o engano que toda obra carrega. Krajsberg comunica o que só ele vê, o que só ele pode testemunhar. A sua genialidade está nessa franqueza simples que se traduz no espetáculo que une o silêncio do ser ao flagelo que lhe foi inculcado.

Agora que o Pantanal está queimado e que a Amazônia segue em chamas, agora que as raízes medram desesperadas em solos ressecados sem rios e sem nada, agora que a lista de espécies vegetais e animais em risco de extinção aumenta diariamente com o despudor do negacionismo, agora que a fumaça estufa as narinas de tudo… agora é que a madeira sinuosamente arbitrária e desgraçadamente sofrida de Krajsberg grita mais alto. Sua dor é a nossa. Em seu rosto de lenha e carvão, a obra é um apelo por socorro. Krajsberg é o mensageiro do anúncio. Todos nós somos os destinatários da mensagem.

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