Aproximadamente 25% da população Brasileira conta com assistência médica através de plano de saúde privado, cerca de 50 milhões de pessoas. Destes, 70% ocorrem por intermédio de planos empresariais, ou seja, um benefício que a empresa fornece a empregados e dependentes. Para empresas há um custo importante nestes serviços; para o segmento da indústria, por exemplo, corresponde a 13,1% da folha de pagamento e com valores crescentes ao longo dos anos.
Por outro lado, a Variação do Custo Médico Hospitalar (VCMH), conhecido como inflação médica, que tem como base dois períodos consecutivos de 12 meses, representa a variação de custos para os planos de saúde, habitualmente é várias vezes superior aos índices de inflação costumeiros (IPCA, INPC).
Para exemplificar, em Março de 2022 o VCMH está indicado como 23%. Assim, a conta com planos de saúde empresariais tem tendência de crescimento desproporcional a receitas e, se não houver mudanças de trajetória, a tendência é que as empresas precisarão de alternativas como: alterar o plano de saúde para produtos mais acessíveis (downgrade de operadora, espécie de acomodação, elevação de coparticipação) ou até a descontinuidade do benefício. Na primeira possibilidade pode haver percepção de precarização de serviço ofertado pelos empregados; na segunda, além de migrar para um fluxo de atendimento público ainda resultaria em uma maior demanda pelo serviço do SUS já sobrecarregado e com recursos insuficientes. Em todo caso há diversos prejuízos envolvidos.
Uma das maneiras mais consagradas de evitar custos com a saúde é de atuar em medidas preventivas para evitar desenvolvimento de doenças e, se não for possível, o diagnóstico e o direcionamento ao tratamento precoce (tanto oncológicas quanto as doenças crônicas não transmissíveis – DCNT). Neste cenário é interessante verificar o quanto a medicina do trabalho pode contribuir com a saúde populacional. Aproximadamente 43 milhões de Brasileiros tem vínculo de trabalho com carteira assinada no Brasil, nestes há exigência legal dos empregados realizarem os procedimentos exigidos pelas Normas Regulamentadoras.
Assim, é necessário realizar exames médicos ocupacionais desde a admissão no emprego e periodicamente. Estas são oportunidades obrigatórias que podem ser utilizadas para realização de rastreamento de fatores de risco para DCNT, possibilidade de realizar diagnóstico precoce e encaminhamento de pacientes com doenças nos primeiros estágios do desenvolvimento. Além de poupar sofrimento e otimizar um tratamento com vistas a menor morbimortalidade, do investimento de saúde ocupacional de boa qualidade decorrem menores custos com tratamentos complexos e prolongados, possibilitando maior sustentabilidade ao sistema de saúde.
Para haver medicina do trabalho com qualidade é importante se atentar desde princípios básicos, como ter tempo suficiente para realização de cada consulta médica abrangendo uma anamnese e exame físico apropriados até ferramentas de gestão de saúde populacional que permitam o seguimento de casos e desfechos. Não adianta reservar 5 minutos por consulta ocupacional, acreditando ter “cumprindo a obrigação” e acreditar que neste tempo uma avaliação clínica completa será realizada com qualidade.
Não basta identificar um paciente com síndrome plurimetabolica, encaminhar a um cardiologista e não monitorar sobre o seguimento pois a tendência é que muitos abandonem o tratamento e o benefício seja perdido. Não adianta identificar que uma mulher precisa realizar mamografia se apenas uma guia para o exame é disponibilizada sem haver seguimento posterior pois algumas não farão o exame se não forem lembradas e, mesmo que façam, é imprescindível a identificação do laudo do exame e conduta a ser indicada. Diferente de médicos de consultórios e outros serviços de saúde, o médico do trabalho tem a oportunidade de todo o dia ter contato com o beneficiário e pode acompanhá-lo com muito mais facilidade. Este é um diferencial que deve ser bem utilizado.
Assim, além de ter um profissional competente há de existir um sistema informatizado e de gestão apropriados. O suporte tecnológico pode apoiar estas ações pode ocorrer por softwares gerais (o Excel tem múltiplas funcionalidades que nem sempre são bem conhecidas) ou específicos, como alguns apps e Healthtechs de mercado.
Vale ressaltar que é preciso entender com profundidade sobre sistemas de saúde e ciência relacionada a saúde populacional antes de investir em um sistema. Quem os elabora nem sempre envolve profissionais de saúde capacitados para dar robustez metodológica de forma a garantir previsibilidade de resultados. É frequente que desenvolvedores de software deixem visualmente agradáveis, coloridos e com layout amigável e que traduz em um BI mas que não refletem a realidade e não produzem resultados. Por exemplo, um app que se propõe a “medir o estado mental” e as métricas são perguntas genéricas como “Está irritado? Está triste?” e depois aparece uma figura com um rosto (smile) com uma graduação de verde para vermelho e te posiciona em algum lugar nesta escala, visualmente é nítido o status porém pode não corresponder a realidade visto não ter sido utilizado um questionário validado cientificamente para este fim.
Com isso pode haver um resultado incorreto e ocasionar múltiplos prejuízos como rotulagem de depressão em pessoas sem diagnóstico médico ou higidez em dependentes químicos. A tecnologia é essencial para avançarmos. Mas apps e softwares são ferramentas. A calibragem delas(algoritmo) deve ter o respaldo baseado em evidências científicas bem consolidadas. Caso contrário será empirismo imprevisível.
Com um planejamento adequado composto por equipe técnica competente, indicação de perspectivas realistas e compatíveis com a realidade, é possível ter resultados muito interessantes com o investimento na saúde ocupacional. Além do atendimento as obrigatoriedades legais (como NRs) há ainda benefício para saúde populacional com consequências em redução de afastamentos e absenteísmo por doenças, elevação de produtividade e redução de custos para saúde suplementar.
* Guilherme Murta é especialista em Medicina do Trabalho pela AMB/CFM. Mestre em Ensino nas Ciências da Saúde. Membro do Grupo de Diretrizes da ANAMT, Ex-Presidente da APAMT. Autor de capítulos de livros e artigos de saúde e segurança do trabalho. Professor convidado no MBA Executivo na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e na Especialização de Medicina do Trabalho UFPR.
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