As comemorações de final de ano são tradicionalmente festas de família. Aquilo que não foi feito ou dito durante doze meses, geralmente aflora no Natal e Ano Novo com muitos votos de saúde e felicidade para quem, em alguns casos, praticamente se odiou durante o ano inteiro.
Mas a tétrica figura da covid-19 modificou todos os procedimentos com que as gentes estavam acostumadas desde muitos anos passados. Obrigaram-se a manter-se afastadas, sem churrascos, cervejas, pavês, maioneses, espumantes, amigos secretos (argh!!) e tudo o mais que nossa tradição natalina tropical julgou ser recomendável para comemorar o nascimento de Jesus … como se isso fosse verdade, uma vez que poucos lembram de que Jesus nasceu nesta época falsificada – ou não, pois quem garante isso? Já modificaram para seis anos antes da data consagrada o nascimento do filho de Deus, e sabe-se lá o que carbonos-14 poderão mostrar sobre datas bíblicas?
De qualquer forma, a vida continua sob o uso de máscaras, álcool gel a 70% e distanciamento social. Aqueles que viajaram nos feriados de final de ano, puderam levar o coronavírus para todos os lugares pelos quais passaram, contaminando, infectando e matando parentes, amigos e agregados, que estavam ansiosos por receber um singelo abraço de felicitações pela passagem do ano. Não poderíamos negar isso aos nossos irmãos… e fomos para o abraço!
Como solitário navegante de uma prisca era, não consegui controlar meus impulsos viajadores e saí em direção ao mar … de águas tórridas e de gentes tostadas pelo sol abrasador dos trópicos. Sim, viajei a bordo das asas dos 737-800 da Gol em direção ao Rio de Janeiro no Natal e a João Pessoa na passagem do ano.
Vi voos lotados, aeroportos cheios, praias invadidas, sol ofuscante e nuvens que encobriam corações. Um Rio de Janeiro com chuva contínua, restaurantes vazios, quase às moscas, e mais chuvas … copiosas, torrenciais e, às vezes, calmas e serenas.
Presenciei quiosques a beira mar, daquela Copacabana já eternizada em canções, inundados pelas águas intempestivas das chuvas de dezembro, vi turistas em seus guarda-chuvas transparentes correndo das águas aquecidas pelo abafamento e aquecimento global. E vi muitos pedintes, mendigos (mendingos no bom falar curitibanês?) e gentes e mais gentes atrás de uma esperança pelo ano novo quase chegando.
Vista áerea Rio de Janeiro, RJ – Foto Acervo do autor Praia de Copacabana, RJ – Foto Acervo do autor
Copacabana adentro, os bares abriam seus braços e portas para receber as tantas criaturas em busca de uma cerveja gelada, uma conversa para aquecer o coração e um tempo parado no espaço para esquecer a pandemia … milhões de garrafas de cerveja se espalhavam pela orla solitária de nossas vidas.
Em busca de outras experiências sensoriais, parti rumo ao nordeste encalorado e ensolarado, após dias na muvuca carioca, na perdição das praias hedonistas, no som de sambas distantes vindos da Lapa e no cheiro inconfundível das feijoadas sendo preparadas na base de caipirinhas intermináveis. Fui e, claro, voltarei!
Não poderia esperar receber o carinho de Salvador, fechada para tudo, então, o voo foi alçado para destino um pouco mais distante, mas ali, naquela zona de calor e sol indescritíveis.
E João Pessoa abriu sua vida para me receber, mostrando-me sua simetria, limpeza, cuidado e respeito. Fluí pelas águas tranquilas, plácidas de tantas baías. Empolguei-me com uma bandeira do Brasil hasteada num dos mais altos edifícios da cidade (em que lugar posso ver bandeiras brasileiras desfraldadas?) e senti-me no Brasil. Brasil do Nordeste de praias e coqueirais imensos, areias brancas e finas, ilhas paradisíacas, povo acolhedor e faceiro, gente que trabalha de sol a sol nas praias esplêndidas. Comidas feitas de peixes, crustáceos e moluscos. Um Brasil que trabalha, mesmo sem ter apoio dos facínoras de Brasília e das capitais estaduais corrompidas, manchadas, funestas, desgraçadas pelos seus políticos oportunistas.
Praia de Cabo Branco, João Pessoa, PB – Foto Acervo do autor Praia de Cabo Branco, João Pessoa, PB – Foto Acervo do autor
Mas, espanto! Vi que a natureza, na forma daquele mar maravilhoso, passa a exigir seus direitos e na orla de Cabo Branco percebi que a natureza vai recuperar o que é seu, não importa o tamanho do esforço que as criaturas humanas façam para impedir o avanço das águas do mar. Pensei eu: aqui seremos engolidos pelas águas do oceano que exige a devolução do que é dele e antes do armagedon seremos engolidos pelas águas salgadas do mar por todo mal que fizemos à natureza.
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p class=”ql-align-center”>Praia de Cabo Branco, João Pessoa, PB – Foto Acervo do autor Praia de Cabo Branco, João Pessoa, PB – Foto Acervo do autor
Se há um sol que nos protege, com certeza ele há de encontrar-se sobre as praias maravilhosas do Nordeste … e ainda poderíamos ter sido colonizados por holandeses, franceses, mas preferimos nos entregar aos fracos portugueses. Quiçá uma América holandesa ou francesa não teria nos acordado do berço esplêndido?
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