A inexorável marcha do tempo

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Em algum lugar em Boipeba. Créditos: Acervo Gilmar Rosa

Nascemos, crescemos e morremos. A inexorável ordem da natureza e do tempo nos coloca entre dois pontos, o início e o fim (como na canção de Raul Seixas e Paulo Coelho: o início, o fim e o meio! (**)), o nascimento e a morte. E somos o que acontece nesse intervalo, nos afetando por ser importante, pois que é nossa vida, e nos moldando à mercê da maré que nos empurra para a frente. Para nós somente é importante, visto que tudo o que nos cerca é relativo. Einstein já no início do século XX descrevia a teoria da relatividade, corroborando que tudo na nossa breve existência no plano espiritual da vida na terra é relativo. “Mas tudo passa, tudo passará. E nada fica, nada ficará…” (***) como cantava em 1969 com seu vozeirão o pequeno grande Nelson Ned!

Ao nascermos somos introduzidos no grupo familiar e seus agregados de todas as origens. Assim, compartilhamos a vida com pais, irmãos, tios, avós, primos, sobrinhos, cunhados e a infinidade de tantas pessoas que circulam por nossos espaços e tempos nesta época. Começa nesta fase a inexorável corrida do tempo, seja matando muitos contemporâneos e parentes, seja fazendo-nos crescer, galgando os anos rumo a idades mais avançadas, carregando consigo mais tantas outras pessoas, outros acontecimentos, outros sonhos.

Seguimos adiante, na fase da criança, da adolescência, da maturidade … caminhamos ao redor dos queridos e amados em cada uma das etapas. Amigos de escola, de catequese, de comunhão, de igreja, de nova escola, de outra escola, da rua em que morávamos, do prédio em que tínhamos endereço. Tudo vai mudando, se relativizando. As pessoas que conhecemos numa fase vão se transformando em memórias, em leves esboços em nossas mentes, não porque tenham morrido, ou até mesmo por isso, mas porque nosso cérebro parece ter imensa dificuldade em manter grupos maiores de relacionamentos simultâneos e, aí, vamos matando tantas personagens que antes povoavam nossos dias.

A inexorabilidade trabalha constante e firmemente. Lá pela maturidade ainda conservamos mínimos contatos dos tempos que se perdem em nossa infância. Sufocamos tantas gentes. Nos apartamos de tantas outras. Matamos pelo esquecimento mais umas dúzias. Assim, a vida segue seu caminho para entregar-nos ao fim, a morte certa em algum momento.

Em algum lugar em Boipeba. Créditos: Acervo Gilmar Rosa

É na fase madura que somos mais cruéis, mas devastadores por termos a fatal capacidade de matarmos e afastarmos a nosso bel prazer e gosto tudo e todos que quisermos. Nossa percepção de utilidade é colocada a trabalhar para que nossas escolhas possam trazer benefícios a nós próprios. Escolhemos a quem nos convém, amizades, amores, com quem será tratado o casamento, a separação, o divórcio, mesmo o funeral. E somos cruéis porque afastamos muitas das vezes quem realmente nos amava, no mínimo nos gostava. Não importa. Importa estarmos no caminho, na verdade, na vida. Precisamos seguir desesperadamente nosso caminho traçado, a fim de chegarmos às portas da morte com todo nosso processo de vida completo, nossas relações muito bem montadas, nossos sentimentos perfeitamente encaixados naquilo que se espera de cada um como ser vivente.

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Somos cruéis porque sabemos dos sentimentos dos outros para com nós próprios, e mesmo assim nossos critérios de seleção excluem as gentes que não poderão nos trazer algum benefício em particular. Maquiavelicamente conduzimos nossas vidas no sentido de sempre obtermos o bem-estar necessário para nos proporcionar conforto. Empregos, congregações, associações, grupos, clubes, sociedades, ligas, corporações, igrejas, academias, cursos de crochê e bordado, cursos de luta, muay thai, futebol, mestrados, doutorados, especializações, xadrez, culinária, teatro, ioga, clubes de viagem, pesca submarina, paraquedismo … não há nada que não esteja nesta luta insana pelo nosso bem-estar. Tudo para nosso proveito particular, garantindo-nos que fizemos tudo da melhor forma possível para atingir nosso destino: a morte tranquila.

Neste universo em expansão, tal qual as galáxias continuamente se afastam umas das outras, percebo que nossas vidas são muito similares ao tal efeito Big Bang. Penso que todos os grupos sociais (família, amigos, colegas, parceiros, companheiros, asseclas, comparsas etc.) criados no decorrer de nossa existência, transitam em nosso universo em expansão, e assim, vão se afastando cada vez mais de nós (por nossa própria culpa!), e transformam-se em simples nuvens de poeira perdidas na imensidão do tempo e do espaço vazio e gelado.

Em algum lugar na Islândia. Créditos: Acervo Gilmar Rosa

Há muitos, muitos anos atrás tive a oportunidade de ler uma obra bastante difícil de entender, naquele período de minha vida, saindo da adolescência para entrar na fase adulta. Trabalhava nas Lojas Mesbla em Porto Alegre e uma colega – já morta, enterrada (será?) e praticamente esquecida na memória – emprestou-me A Negação da Morte, do antropólogo americano Ernest Becker, ganhador do prêmio Pulitzer de Não-Ficção Geral em 1974 pela obra. Assim como tantos outros livros lidos e relidos durante a vida, esse em especial, deixou gravada fortemente uma frase que bem representa meu pensamento nesta altura do campeonato: “É fatídico e irônico o fato de a mentira de que precisamos para viver nos condenar a uma vida que nunca é realmente nossa”.

Corremos, lutamos, trabalhamos, criamos filhos e agregados, limpamos a casa, cortamos a grama, fazemos nossos exames periódicos e rotineiros, pegamos ônibus, trem, metro, barco, avião, pagamos contas, boletos, taxas e impostos, sorrimos, choramos, cantamos, amaldiçoamos, abençoamos, gritamos e tudo o mais! E é isso que compõem nossa vida, a massacrante rotina do ir e vir, ligar e desligar, subir e descer, amar e odiar, falar e silenciar, acusar e defender, elogiar e escrachar, chegar e partir, falar e calar, sorrir e chorar, morrer e viver!

(*) Viver é melhor que sonhar, uma linha da canção Como nossos pais, letra de Belchior na inesquecível, saudosa e maviosa voz de Elis Regina no álbum Falso Brilhante de 1976. Está no Youtube: https://youtu.be/bVARodUbO9Q

(**) Gita é uma linda canção na voz de Raul Seixas, escrita junto com Paulo Coelho em 1974. Está no Youtube: https://youtu.be/_cpqBBjC0qM

(***) Tudo Passará na voz de Nelson Ned no Youtube: https://youtu.be/J50ED2sswSg

*Gilmar Rosa é graduado em Administração de Empresas pela Universidade Positivo e História – Memória e Imagem pela Federal do Paraná. Participou na execução de um dos mais importantes projetos de implantação de APS no estado do Paraná em 2014. Atualmente, busca um lugar ao sol que tenha águas cálidas e agradáveis durante todo o ano.

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