O Clima e a Cultura Organizacional são dois conceitos inter-relacionados e fundamentais para a prevenção, promoção e intervenções em saúde mental no trabalho. Numa analogia com um iceberg, a parte imersa é a cultura e o clima é a parte externa/visível.
Basicamente, a cultura organizacional é um sistema de concepções, normas e valores, que são consideradas certas e estão submersas na vida organizacional. E o clima organizacional é o reflexo da cultura organizacional, sendo um grupo de fatores perceptíveis e mensuráveis do ambiente organizacional. O clima organizacional expressa a percepção dos funcionários referente à organização do trabalho, que segundo a Psicodinâmica do Trabalho, teoria elaborada pelo médico e psicanalista francês Christophe Dejours, é composto por três dimensões: a organização do trabalho, as condições de trabalho e as relações de trabalho/socioprofissionais. Para a Psicodinâmica do Trabalho, tanto o equilíbrio psíquico quanto a saúde mental derivam da organização do trabalho, portanto, o trabalho pode ser tanto fonte de prazer como mediador de saúde.
A organização do trabalho inclui a divisão do trabalho e dos trabalhadores para garantir divisões das tarefas, por meio de hierarquias, controles e definições de responsabilidades.
A dimensão condições de trabalho diz respeito às questões físicas, do ambiente físico e questões químicas, que afetam diretamente o corpo físico do trabalhador, podendo ocasionar lesões ou doenças físicas. E, também, aos instrumentos, equipamentos, matéria prima e suporte organizacional voltado para a remuneração, desenvolvimento de pessoal e benefícios.
As relações de trabalho/socioprofissionais expressam a estrutura material, os processos produtivos e sociais e a cultura organizacional; são complexas devido a sua variabilidade, diversidade, dinâmica e a imprevisibilidade de seus componentes. Incluem as interações sociais com colegas, diferentes níveis hierárquicos, fornecedores, clientes e com os recursos disponibilizados para a execução do trabalho.
Para nos ajudar a responder à questão deste artigo, apresento, a seguir, alguns resultados de pesquisas científicas, que tiveram como fundamentação teórica a Psicodinâmica do Trabalho e apontam estas dimensões como causadoras de sofrimento psíquico e adoecimento ou promotoras de prazer no trabalho.
O estudo “Prazer e sofrimento no trabalho das agentes de segurança penitenciária” das autoras Tschiedel e Monteiro, apontou as condições de trabalho como causador de sofrimento psíquico das agentes.
Em outro estudo “Sofrimento ético e moral: uma interface com o contexto dos profissionais de enfermagem”, as pesquisadoras Ambrósio; Lima; Traesel concluíram: “[…] que os profissionais de enfermagem, na busca incessante pela excelência profissional, mobilizam grande parte da sua subjetividade ao engajarem-se no trabalho, ao ponto de realizarem tarefas que moralmente não aceitam, o que os leva ao sofrimento ético e moral. Esse sofrimento faz parte do cotidiano destes sujeitos, reforçado por relações de trabalho adoecedoras, além de um local de atuação que dificulta a comunicação e a convivência entre os colegas, gerando assim, uma dor profunda e silenciosa capaz de levar ao adoecimento”.
O Psicólogo Organizacional Roque Tadeu Gui, em sua pesquisa Prazer e Sofrimento no Trabalho: Representações Sociais de Profissionais de Recursos Humanos, apresentou resultados significativos e uma das conclusões foi “[…]os efeitos do prazer sobre a organização, mencionados pelos participantes, referem-se ao clima organizacional positivo, criatividade, compartilhamento e produtividade. Os efeitos do sofrimento relacionam-se com a queda da produtividade e da competitividade da organização, inclusive com reflexos sobre o atendimento do cliente”.
Estas pesquisas concluem que a organização do trabalho vivenciada pelo trabalhador e percebida, também, no clima organizacional pode promover a saúde ou adoecimento do trabalhador. Quanto mais flexível a organização do trabalho, no que diz respeito a normas, hierarquia e outros aspectos do trabalho prescrito, mais a possibilidade de autonomia do trabalhador para criar e dar sentido ao seu fazer diante de situações imprevistas.
Bem como, a importância das relações de trabalho/socioprofissionais na promoção da saúde ou do adoecimento, pois são permeadas por afetos, medos, confiança, colaboração, solidariedade, competição, relações de poder, enfim produtos da subjetividade e a intersubjetividade no trabalho.
As interações de confiança contribuirão para a construção de um ambiente solidário, empático e cooperativo, favorecendo a transformação da organização do trabalho, por meio do sofrimento criativo, contando com a cooperação e o reconhecimento dos colegas e da liderança, transformando o sofrimento do trabalhador em prazer, dando sentido ao seu trabalho e contribuindo para fortalecer a sua identidade social.
Não existe uma organização do trabalho perfeita, mas como nos lembra Dejours, ela deve ser um ideal. Por isto, a importância das organizações utilizarem como estratégia instrumentos de pesquisas, validados cientificamente, para mapear a cultura, avaliar o clima e os riscos psicossociais. Os resultados dessas pesquisas darão subsídios para a elaboração de plano de ações consistente e estratégico, tendo como objetivo construir uma cultura organizacional que previna, promova e cuide da saúde mental de seus trabalhadores.
Como nos alerta o professor Jeffrey Pfeffer, da Universidade de Stanford e autor do livro Morrendo por um Salário (2019), cada um de nós ganha ao cuidarmos de nossa saúde, mas as empresas e a economia ganham muito, também!
*Ana Silvia Alves Borgo é Psicóloga Organizacional e do Trabalho (CRP 08/03162), Mestra em Administração (UTFPR), Didata da SBDG-RS. Há 33 anos atua na área de gestão, desenvolvimento humano e organizacional, e de saúde mental no trabalho. E também colunista do Saúde Debate.
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