No dia 03 de junho, os Senadores aprovaram a proposta do Projeto de Lei (PL 6.330/2019) que modifica o processo de incorporação de novos quimioterápicos orais na cobertura dos planos de saúde. Atualmente, o medicamento deve ter registro na Anvisa e precisa constar no Rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). O Rol de eventos e procedimentos da ANS é atualizado a cada 2 anos através das análises apresentadas no COSAÚDE, que decidirá, dentre centenas de novas tecnologias propostas, quais passarão a fazer parte da cobertura obrigatória dos planos de saúde.
O texto do PL 6330 prevê ainda que o fornecimento do remédio deva acontecer em até 48 horas após a prescrição médica. A matéria foi relatada pelo senador Romário (Podemos-RJ), e vai à Câmara dos Deputados para apreciação. Se aprovada, seguirá para a sanção Presidencial.
O Projeto de Lei 6.330/2019 altera a Lei n° 9.656 de 1998 (Lei dos Planos de Saúde), e tem o propósito inicial de ampliar o acesso a tratamentos antineoplásicos domiciliares de uso oral pelos usuários de planos de assistência à saúde. A resolução 439 de 2018 da ANS dispõe sobre o processo de atualização periódica do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde.
Esta resolução prevê a necessidade de avaliar as tecnologias de saúde a serem cobertas pelos planos sob os aspectos de segurança, eficácia, custo efetividade (quanto é necessário investir para se ter um aumento de sobrevida de um paciente com câncer) e impacto orçamentário (quanto de recurso financeiro terá que ser mobilizado para custear as novas drogas orais, a partir da sua incorporação, em relação ao custo do tratamento disponível atualmente). Desta forma, assegura a incorporação racional de tecnologias, diante das centenas de opções disponíveis no mercado e a alocação dos finitos recursos em tecnologias, cujos benefícios em saúde são comprovadamente adequados, a um custo que os beneficiários dos planos de saúde possam financiar.
Na prática, significa que os novos medicamentos orais para câncer com registro, e aqueles que vierem a serem registrados na ANVISA, serão automaticamente incorporados na cobertura dos planos de saúde.
Isto certamente trará impacto financeiro importante para as operadoras de saúde, que terão que repassar este custo para suas mensalidades, pois já vivem com um financiamento pressionado e uma sinistralidade na casa de 86%. O impacto deste Projeto de Lei, pode ir no sentido contrário do que se espera os notáveis Senadores. Uma vez que esta ampliação da cobertura, sem a devida análise crítica, encarece ainda mais o plano de saúde. Assim, uma parcela menor da população poderá arcar com seus planos de saúde, ainda mais em época de crise econômica, política e sanitária que vivemos.
Desde o início da crise econômica em 2015, a saúde suplementar perdeu aproximadamente 5 milhões de usuários. Com o agravamento da crise econômica em decorrência da pandemia do novo coronavírus, associado ao aumento do plano de saúde em decorrência deste PL, a tendência será a saúde suplementar perder ainda mais seus beneficiários, sobrecarregando o Sistema Público de Saúde. No SUS, a CONITEC – Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias em Saúde é responsável por avaliar as novas tecnologias e fazer recomendações para a incorporação nos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas.
Fica a pergunta: se a Lei 6.330 aprovada pelos notáveis senadores deseja ampliar o acesso aos quimioterápicos orais para a população da saúde suplementar, por que não estendem o benefício da Lei para os usuários do SUS?
A ANVISA dá o registro para a comercialização dos produtos para saúde somente com base no dossiê apresentado pela indústria, fundamentada nos aspectos de segurança e eficácia dos produtos. Ela não faz avaliação de tecnologias em saúde que envolve análise da segurança, eficácia, custo efetividade e impacto orçamentário.
A ANVISA possui um processo de aprovação acelerada de registro desde dezembro de 2017 (RDC número 204) que prevê uma avaliação e concessão de registro para comercialização de maneira célere para medicamentos para doenças raras, doenças emergentes ou condições debilitantes associadas a alta probabilidade de morte, na qual se encaixa o câncer nas formas avançadas, para as quais a quimioterapia oral é recomendada. Esta aprovação acelerada tem permitido o registro de moléculas avaliadas em estudos de fase 2 ou fase 3 incompletas, ou seja, considerado uma comprovação científica intermediária, não conclusiva. Portanto, já temos um processo acelerado de registro junto a ANVISA, e passaremos a ter um encurtamento no processo de cobertura pelos planos de saúde, suprimindo a avaliação de tecnologias em saúde, com os riscos inerentes em relação a segurança dos pacientes e a pressão sobre o financiamento de saúde.
É necessário ampliar o debate na Câmara Federal e avaliar qual será o impacto deste projeto de Lei na saúde da população e nos custos dos planos de saúde, pois estará acelerando a incorporação de novos medicamentos no tratamento do câncer, muitos ainda insuficientemente testados, que trarão um impacto financeiro importante e produzindo um “efeito colateral” que é o oposto do desejado: reduzirá acesso pelo encarecimento do plano de saúde.
Os EUA têm uma renda anual per capita média de aproximadamente US$ de 50 mil dólares ao ano. No Brasil, a renda anual per capita média está estimada em aproximadamente US$ 9 mil dólares. Portanto, não é possível copiar o modelo de atenção a saúde americano com o financiamento brasileiro
* Luiz Henrique Picolo Furlan, MD, MSc. Especialista em Saúde Coletiva e Cardiologia, Mestre em Medicina Interna, Médico do Núcleo de informações e Inteligência em Saúde da Unimed do Paraná.
Bibliografia consultada
Senado Federal. Projeto de Lei N° 6330 de 2019. https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8052721&ts=1591270032672&disposition=inline
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