Sociedade científica internacional se mobiliza para contestar a classificação NOVA e o termo “ultraprocessado”

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(Foto: Freepik)

Uma carta aberta assinada por dois renomados cientistas alemães reacendeu o debate sobre a validade científica da classificação NOVA, sistema responsável por introduzir o conceito de “alimentos ultraprocessados” (UPFs). O documento, endossado por aproximadamente 170 especialistas de 20 países, entre eles Brasil, Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos, França, Austrália, Dinamarca, Itália e Canadá,  vinculados a instituições como a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade de Copenhague, propõe uma revisão urgente da categorização atual dos produtos alimentícios e defende a realização de novos estudos com base em critérios analíticos objetivamente mensuráveis.

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Os autores do manifesto, Hannelore Daniel, professora emérita e ex-diretora do Instituto Central de Nutrição da Universidade Técnica de Munique, e Thomas Henle, diretor do Departamento de Química de Alimentos da Universidade Técnica de Dresden, alertam para os riscos do uso indiscriminado do conceito de “ultraprocessado” como base para políticas públicas.

“Como cientistas comprometidos com a integridade científica, nossa preocupação decorre principalmente do fato de que algumas áreas da nossa comunidade científica estão realizando, de maneira largamente acrítica, uma ‘classificação’ dos alimentos em bons e maus, sem base em dados objetivamente analisáveis”, explica Thomas Henle.

A carta ressalta, ainda, a ausência de evidências robustas que sustentem que o consumo dos chamados ultraprocessados é prejudicial à saúde e contribui para o desenvolvimento de obesidade, diabetes e outras doenças. “Essa opinião baseia-se principalmente em representações populistas e, às vezes, sensacionalistas dos achados de estudos observacionais, que relatam supostas associações positivas entre o consumo de UPF e várias doenças – ou até mesmo um maior risco de mortalidade – em grandes cortes de diferentes países . A ciência deve ser objetiva, neutra e verificável”, diz o texto.

Esses dois especialistas afirmam: “Nossa principal preocupação é o uso de um sistema de classificação que carece de base científica sólida. Esperamos que muitos colegas da nossa comunidade compartilhem dessa preocupação. Também iremos nos manifestar publicamente na mídia, simplesmente para mostrar que está ocorrendo um desenvolvimento que deve ser criticado do ponto de vista da ética científica. Não se trata de uma disputa sobre fatos científicos – trata-se da credibilidade de nossas disciplinas”.

O manifesto é um apelo por mais seriedade, clareza conceitual e evidência científica na formulação de diretrizes alimentares. “Até o momento, nenhuma sociedade científica da Europa ou da América do Norte adotou o termo UPF em suas diretrizes alimentares. Pelo contrário, o sistema NOVA é amplamente considerado como insuficientemente fundamentado cientificamente para embasar avaliações de risco à saúde. Esperamos que muitos colegas compartilhem dessa preocupação”, concluem os cientistas Hannelore Daniel e Thomas Henle.

Para acessar a carta aberta na íntegra, clique em:

https://datashare.tu-dresden.de/s/SiA9LSsi2ExM9cN/download/Open-Letter-UPF-Eng.pdf 

Pesquisadores brasileiros apoiam a revisão da classificação NOVA

No Brasil, o manifesto já conta com o apoio de mais de 30 especialistas ligados a instituições como USP, Unicamp, ITAL e UFRJ. Para a nutricionista e sanitarista Sonia Tucunduva Phillip, idealizadora da pirâmide alimentar adaptada à realidade brasileira, a ciência exige constante revisão: “Na ciência, não há verdades absolutas. A Nutrição deve evoluir pautada por evidências, e não por modismos ou dogmas. A revisão da classificação NOVA é urgente e necessária.”

Julian Martinez, professor titular da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, também considera o sistema NOVA falho: “Apesar do objetivo nobre de orientar a população, o modelo carece de rigor científico. É necessário aprimorá-lo para evitar equívocos na interpretação e no desenvolvimento de novos produtos.”

Luís Madi, coordenador da Plataforma de Inovação Tecnológica do ITAL, reforça: “A carta confirma o que já defendemos há mais de uma década, ou seja, a classificação NOVA não possui respaldo técnico suficiente para embasar políticas públicas.”

Outros especialistas chamam atenção para o fato de que alimentos classificados como ultraprocessados muitas vezes têm papel relevante em contextos de saúde pública, como os alimentos terapêuticos prontos para uso (RUTF), distribuídos pela UNICEF em regiões com desnutrição infantil grave.

“O leite em pó, fórmulas infantis para bebês com alergias severas e alimentos enriquecidos fazem parte de estratégias contra a desnutrição. Ignorar isso é irresponsável”, afirma a nutricionista Márcia Terra, membro da Academy of Nutrition and Dietetics.

O professor Luiz Eduardo Carvalho, doutor em Saúde Pública pela UFRJ, acrescenta: “A segurança de um alimento não depende da quantidade de processos envolvidos. Um café encapsulado ou um leite desidratado continuam sendo nutritivos. O uso acrítico do termo ‘ultraprocessado’ desconsidera a complexidade da ciência dos alimentos.”

*Informações Assessoria de Imprensa