Nos últimos anos, o Brasil tem visto um aumento alarmante no uso de aplicativos e sites de apostas online. De acordo com dados publicados pelo Instituto Locomotiva de Pesquisa, nos últimos cinco anos o número de usuários de bets chegou a 52 milhões, e quase metade desse movimento foi realizado por novos apostadores, um fenômeno que vem se tornando uma crise de saúde pública. No entanto, a compulsão por apostas, conhecida como transtorno de jogo patológico (CID-10-F63), não apenas coloca em risco as finanças dos jogadores, mas pode desenvolver sintomas graves de dependência, ansiedade e compulsão por mais e mais apostas, em adultos e, principalmente, em adolescentes. É uma condição séria que afeta diretamente os circuitos de recompensa do cérebro, semelhante ao que ocorre em dependências químicas, como drogas e álcool.
Atualmente, o setor de apostas online já responde por 1% do PIB brasileiro, segundo um relatório recente da XP Investimentos. Esse número chega a ser 0,6% mais alto do que o PIB americano do mercado de apostas, revelando a magnitude da questão no Brasil. Com a explosão do mercado, 63% dos usuários das plataformas de apostas comprometem sua renda em busca de recuperar perdas ou de tentar a sorte, segundo dados da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC). Esse comportamento, frequentemente alimentado por anúncios persuasivos e o uso de influenciadores digitais, leva muitos jogadores a negligenciar suas necessidades básicas. A SBVC ainda reporta que 19% dos usuários de plataformas de apostas no Brasil afirmaram ter deixado de fazer compras essenciais, como no supermercado, para apostar, corroborando as implicações negativas da dependência das bets.
A facilidade de acesso aos sites de apostas, principalmente por meio de dispositivos móveis, e a constante exposição a anúncios contribuem para que a compulsão por jogos se desenvolva silenciosamente. Segundo um estudo de 2024 no Journal of Gambling Studies, essa tendência está cada vez mais presente entre os jovens, especialmente adolescentes, o que levanta sérias preocupações sobre o impacto desse vício a longo prazo. De acordo com essa pesquisa, realizada na cidade de Barcelona, na Espanha, os adolescentes são particularmente suscetíveis ao vício em apostas. A prevalência de jogos de azar entre adolescentes é uma preocupação crescente globalmente, e 18,6% dos meninos e 6,1% das meninas entre 13 e 19 anos já se envolveram em algum tipo de aposta. Esses números ilustram como o acesso fácil às apostas online, combinado com a exposição constante a influências externas, como mídias sociais e publicidade, coloca os jovens em risco.
Pesquisas mostram que jovens com menor supervisão parental e aqueles que enfrentam dificuldades emocionais, como depressão e ansiedade, estão mais propensos a desenvolver comportamentos compulsivos em relação ao jogo. Além disso, as apostas online proporcionam uma sensação de anonimato e facilidade de acesso que amplifica o problema. A minha observação clínica como especialista em saúde mental e experiência no trabalho com adolescentes sofrendo com dependências de telas e apostas indica que isso pode acarretar uma espiral negativa de perda de controle dos gastos nesses aplicativos, agitação e problemas de atenção em questões escolares, podendo inclusive agravar outros quadros, como dificuldades de relaxar e depressão.
Evidências científicas sobre a compulsão de apostar em sites de bets
Estudos recentes em neurociência indicam que a ativação da dopamina — o neurotransmissor responsável pela sensação de prazer — durante as apostas pode gerar um ciclo vicioso, em que o indivíduo sente a necessidade de apostar cada vez mais para atingir o mesmo nível de satisfação. Um estudo conduzido em New Jersey, nos Estados Unidos, este ano revelou que pessoas que participam de apostas esportivas têm maior probabilidade de desenvolver problemas graves relacionados ao jogo. Cerca de 14% dos participantes relataram pensamentos suicidas, e 10% já haviam tentado suicídio. Esses dados sublinham a gravidade da situação, especialmente entre aqueles que já possuem predisposição a comportamentos de risco, como adolescentes.
A adolescência é um período de maior vulnerabilidade para a dependência das bets
Os estudos da psicologia do desenvolvimento demonstram que a adolescência é uma fase de desenvolvimento crucial, em que a busca por emoções intensas e por comportamentos de risco é elevada. Na minha experiência clínica ao longo desses anos no trabalho com dependências, a introdução precoce a jogos, especialmente os de apostas online, pode desencadear uma série de problemas psicológicos, como baixa autoestima, depressão, ansiedade e, em casos extremos, pensamentos suicidas. A facilidade com que os adolescentes podem acessar essas plataformas, muitas vezes utilizando contas de familiares ou amigos, torna-os um alvo fácil para o marketing agressivo das empresas de apostas. O vício em apostas entre adolescentes é facilmente alimentado por fatores sociais, incluindo a pressão de amigos, o desejo de status social e a exposição contínua a influências digitais.
Para combater a crescente dependência de apostas online, é necessário um esforço coordenado envolvendo educação, conscientização e tratamento clínico. Em termos de tratamento, a abordagem cognitivo-comportamental (TCC) tem se mostrado eficaz no manejo do transtorno de jogo. A TCC ajuda os indivíduos a identificar e modificar padrões de pensamento distorcidos que levam à compulsão por apostar. Por exemplo, pensamentos automáticos que promovem a crença de que uma “grande vitória” está prestes a ocorrer são desafiados e substituídos por uma compreensão mais realista dos riscos envolvidos. Além disso, estratégias como o estabelecimento de limites financeiros e o tempo limite para a prática do jogo são implementadas, promovendo o autocontrole e a prevenção de recaídas nos ciclos de dependência.
O auxílio médico também é essencial, já que muitos apostadores compulsivos sofrem com comorbidades, como depressão, ansiedade e abuso de álcool e outros hábitos não saudáveis. Em alguns casos, o uso de medicamentos para tratar sintomas psicológicos pode ser necessário, e o suporte terapêutico contínuo, seja em sessões individuais ou em grupos, tem demonstrado ser uma ferramenta valiosa para interromper o ciclo de compulsão.
No Brasil, o governo federal já iniciou a regulamentação da indústria de apostas online através da lei 14.790/2023 e, desde 2028, vem atualizando as normas dessa lei através de novas portarias, estabelecendo prazos para que as empresas de apostas se adequem às novas normas, promovendo campanhas de conscientização sobre os riscos do jogo e realizando um controle maior sobre o possível envolvimento de menores de idade. Entre as empresas na mira do governo estão plataformas populares como Betano e Bet365, cujas práticas de marketing têm sido amplamente criticadas por promoverem o jogo irresponsável e atraírem públicos vulneráveis, incluindo adolescentes. No entanto, muito ainda precisa ser feito para garantir que as empresas sejam responsabilizadas e que os apostadores compulsivos tenham acesso ao tratamento adequado.
O vício em apostas é uma ameaça crescente para a saúde pública no Brasil, especialmente entre os jovens. A facilidade de acesso, a constante exposição a campanhas de marketing e a ausência de uma regulação mais firme criam um ambiente propício para o desenvolvimento de transtornos relacionados ao jogo. A sociedade brasileira precisa urgentemente reconhecer a gravidade desse problema e agir de forma preventiva para que o vício em apostas não destrua o futuro de nossa juventude. O combate a essa epidemia exige esforços conjuntos do governo, das instituições educacionais, das famílias e da própria sociedade civil.
*Vitor Friary é psicólogo e mestre em psicologia pela London Metropolitan University.