Ao longo da história, o processo para o nascimento de um bebê passa por diversas fases. O que antes acontecia em ambiente doméstico, passa a ocorrer em ambientes hospitalares. Quando nas residências, o parto era assistido por mulheres que também haviam passado pela experiência do parto, eram mulheres cuidando de mulheres. Com a institucionalização do nascimento, os homens passam a ser a maioria a assisti-lo.
É fato que o nascimento em casa, boa parte em regiões rurais, corroborava a dificuldade diante da necessidade de uma assistência suporte rápida e assertiva a tempo de salvar mãe e filho, situação esporádica que pode acontecer. Assim, o nascimento passa a ocorrer nos hospitais. Em contrapartida, nos hospitais encontram-se doentes, e, nesse contexto, o nascimento foi naturalmente associado à doença, assistido por profissionais preparados para tratar e curar processos patológicos.
Atualmente, antes do nascimento, dentro de suas condições econômicas, a família prepara uma estrutura, mesmo que mínima, para a chegada do novo membro. Os móveis do quarto, roupinhas, acessórios são comprados. A mãe também se prepara fisicamente, busca fazer exercícios, manter uma boa alimentação e, para o grande dia, escolhe roupas confortáveis e procura estar com boa aparência. Tudo ocorre enquanto aguardam a chegada da data provável para o nascimento – que foi identificada geralmente no primeiro exame de ultrassonografia. Próximo dessa data, a bolsa pode romper e as contrações se iniciarem, então, imediatamente, busca-se estar na presença de profissionais que irão assegurar um nascimento saudável. No entanto, mais de 50% das mulheres acabam tendo seus filhos por cesáreas agendadas, sem oportunizar esse tempo adequado de gestação. Essa condição facilita a vida da família e da equipe que assiste o nascimento, e aparentemente há um maior controle da situação. Mas será que para os principais interessados, a mãe e o filho, é bom que seja assim?
O fato é que nascemos uma única vez em nossa vida. Para esse acontecimento, uma tecnologia de primeiro mundo foi preparada naturalmente. Uma engenharia bem arquitetada para que o novo ser se adapte fora do organismo que o gerou. Essa adaptação é relacionada primeiramente ao respirar sem o auxílio do útero e da placenta, utilizando os próprios pulmões, e, depois, a manter a temperatura corporal suportável para que o pequeno corpo esteja apto a sobreviver com suas plenas funções fisiológicas. Já o corpo materno, ao parir naturalmente, dá início a uma engrenagem de contração do útero que impede sua morte por hemorragia. Essas situações acontecem tão naturalmente que, como profissionais, não precisamos, na maioria das vezes,oferecer estímulo algum, pois o organismo feminino foi biologicamente constituído e preparado para gerar e reproduzir, sem sofrimento (sim, sem sofrimento. Porque contração não é sinônimo de dor. Contração é um mecanismo imprescindível para que o bebê e sua mãe entrem em um processo sincronizado de movimentos para o nascimento).
O que temos na atualidade: uma intensa preocupação com o entorno do nascimento à procura de algum motivo que justifique a pressa para o desfecho da gestação e do parto, e uma necessidade de dominarmos esse fenômeno para obter a falsa certeza que está tudo sob controle. Nessa ingenuidade, a fim de acalmar nossa ansiedade, a família e nós, profissionais, ignoramos as engrenagens fisiológicas e interferimos no processo natural do nascer. Desconsideramos o corpo feminino como uma engenharia de tecnologia milenar associada ao seu tempo biológico e aplicamos a ele manobras e agentes químicos para findar o processo. Na ânsia de controlar esse evento em seu cenário original, interferimos no mais belo mecanismo, afinal ele é único. Peço licença e tomo a liberdade de fazer uma analogia do corpo materno a uma máquina: é como se soltássemos vários de seus parafusos e correias, diminuíssemos ou aumentássemos o óleo e assim a “mãe natureza” responde. Mas essa tecnologia da melhor qualidade, o corpo materno, não responde adequadamente dessa maneira tanto quanto responde quando se respeita seu tempo natural.
É nesse cenário, corrompido por nossa intenção em ajudar ao mesmo tempo em que ignoramos o tempo biológico, que o processo do nascimento entra em pane e pode até ser interrompido, pois aquele corpo que está para chegar passa a estar com risco iminente de sofrer traumas irreversíveis, incluindo a sua morte. A cesárea é utilizada dessa forma TODOS os dias. Mesmo prevendo essa situação, a cesárea se repete de forma banalizada e, assim, boa parte das crianças chega ao mundo imersas nesse contexto. Enquanto isso, o parto natural torna-se o vilão, o agente que causará o sofrimento materno e a possível sequela no bebê. O parto natural é preconcebido como algo que não terá um bom desfecho e, para que isso não se torne verdade, precisamos “ajudar”.
Estamos invertendo o processo! É urgente cuidar do parto fisiológico, ou seja, cuidar da mulher gestante e prepará-la para esse momento. Temos que investir no suporte, em recursos humanos voltados a medidas não farmacológicas de auxílio à dor. Devemos oferecer à mulher a oportunidade de vivenciar seu parto de forma prazerosa, pois, quando não se pode expressar emoções e sensações emanadas de sua sexualidade, torna-se sofrimento. A promoção de espaços para a educação em saúde e grupos de gestantes para compartilhar seus medos, dúvidas e frustrações é essencial. Como profissionais de saúde, nossa aproximação da mulher e da família de forma educativa é terapêutica, assim como nossa habilidade em acreditar no corpo feminino e oferecer tempo e cuidado a ele é uma emergência.
Alessandra Reis é Enfermeira Obstetra, professora universitária, coordenadora da Comissão de Saúde da Mulher do Conselho Regional de Enfermagem do Paraná. Tem experiência na área de Enfermagem, com ênfase em Enfermagem Materno Infantil, Educação Permanente e Formação de Professores.
Tem Mestrado em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP, doutoranda pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná no Programa de Educação em Ciências e Educação Matemática com a temática “Concepções de saúde naturalizadas no âmbito da gravidez na adolescência pelos professores de Ciências”.
Atualmente é Professora Assistente na Área de Prática de Ensino da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, membro do Grupo de Pesquisa – Estudos e Pesquisa em Práticas Educativas e Formação em Saúde (GEPEFORS), do Grupo de Pesquisa Educação em Ciências e Biologia (GECIBIO) e do Grupo de Pesquisa Educação e Sexualidade (GEPEX).