Os custos crescentes e a variação substancial no acesso e na qualidade dos cuidados torna insustentável o futuro do sistema de saúde (público e privado) do Brasil e, apenas mais dinheiro, não resolverá o problema.
Globalmente, os sistemas de saúde enfrentam imensos desafios devido ao aumento da demanda por cuidado, custos crescentes e aumento da complexidade das necessidades de saúde da população, assim como, das soluções para enfrentá-las. Entretanto, mesmo com a contínua escalada nos custos e na utilização de recursos, os resultados de saúde não melhoraram na mesma proporção.
No Brasil, infelizmente não é diferente. As taxas crescentes de doenças crônicas não transmissíveis, como câncer e infarto, combinadas com doenças endêmicas e emergentes, tais como a dengue e COVID-19, só fazem aumentar a iniquidade de acesso, os custos e a ineficiência. A combinação do aumento da demanda e dos crescentes gastos com saúde, que excedem a taxa de crescimento econômico brasileiro, representam um risco para a sustentabilidade do sistema de saúde.
Entretanto, engana-se quem pensa que o problema é somente a carência crônica de recursos para financiar a saúde. Apesar do iminente problema de cortes no orçamento da saúde e da limitação imposta pelo teto de gastos, sabemos que simplesmente colocar mais dinheiro no sistema não resolverá o problema estrutural da saúde do Brasil.
É necessária uma transformação, uma nova cultura daquilo que entendemos como sistema de saúde. Precisamos realinhar os objetivos do cuidado para criar um sistema que não seja guiado por volume e pagamento por serviço prestado, mas orientado por valor, pelos resultados entregues para quem o utiliza.
Construir mais hospitais, comprar mais ambulâncias, contratar mais profissionais, gastar mais com exames e procedimentos, enfim, tudo o que vem sendo feito sistematicamente nas últimas décadas, infelizmente não ajudou a corrigir a essência do cuidado à saúde. Continuar medindo atividade, qualidade e processos, investindo no conceito hospitalocêntrico de “eficiência clínica”, enquanto se ignoram os efeitos reais das intervenções de saúde na população, também não parece estar dando certo. Simplificar o problema, afirmando que uma mudança isolada na estratégia de remuneração poderia corrigir o sistema de saúde, apesar de tentador, não garante a mudança estrutural em busca do cuidado pertinente, eficiente e centrado nos resultados de saúde que realmente impactam a vida das pessoas.
Essa é a essência do cuidado à saúde baseado em valor, estratégia que permite a reestruturação dos sistemas de saúde, com valor definido como o desfecho de saúde pelo custo para atingir esse desfecho.
Em termos populacionais o VBHC (Value-Based Health Care, algo como Atenção à Saúde Baseada em Valor) pode ser desdobrado em diferentes nuances:
1. Valor Pessoal: Cuidado apropriado para atingir os objetivos específicos de cada indivíduo.
2. Valor Técnico: Alcançar o melhor resultado com os recursos disponíveis, para todos os indivíduos que necessitem do cuidado.
3. Valor Alocativo: Distribuição equitativa dos recursos conforme a necessidade populacional, cobrindo o ciclo completo de cuidado.
4. Valor Social: Contribuição do sistema de saúde para o bem-estar social e conectividade.
Na Academia VBHC acreditamos que a implementação da transformação da saúde inicia com a criação de uma nova cultura e uma nova linguagem, e da profunda compreensão do problema e do estado atual do sistema de saúde brasileiro.
O diagnóstico preciso das variações justificadas e injustificadas em saúde, suas causas e soluções serve como mapa para o desenho de modelos de cuidado colaborativos, abrangentes, baseados em evidência e economicamente viáveis. Dessa forma, estratégias assistenciais multiprofissionais, pertinentes e custo-efetivas permitem a mudança da remuneração por volume para remuneração baseada em resultado de saúde, estimulando a concorrência pelos desfechos de saúde relevantes para a população. A utilização de novas ferramentas de dados e de capacidade analítica fomenta o desempenho e transparência, permitindo escalabilidade, conexão e fluxo de informação durante todo o ciclo de cuidado.
Além disso, exemplos de implementação de VBHC no Brasil e no mundo podem facilitar a colaboração e transferência de conhecimento prático entre as organizações, sendo fundamentais para a aplicação das soluções de cuidado à saúde baseado em valor em diferentes escalas, tanto nos setores público quanto privado.
Essa discussão é relevante para todos, incluindo profissionais da área da saúde, gestores, reguladores e a sociedade civil.
Temos a oportunidade de salvar o sistema de saúde, com uma agenda transformadora e sustentável de implementação do cuidado à saúde baseado em valor. Entretanto, a evolução da saúde em direção ao VBHC necessita de gestores perspicazes, corajosos e com disposição para encarar com responsabilidade esse desafio.
* Marcia Makdisse é médica com mestrado e doutorado em Cardiologia, MBA em Gestão da Saúde, Green Belt em Value-Based Health Care(VBHC) e Master of Science in Health Care Transformation pelo Value Institute for Health and Care, University of Texas at Austin.
Ao longo de sua carreira, atuou e desenvolveu habilidades e conhecimentos em Cardiologia Clínica, Gestão da Saúde, Ensino e Pesquisa. Em 2005 assumiu seu primeiro cargo como Gestora, frente ao Programa de Cardiologia do Hospital Israelita Albert Einstein. Em 2015, assumiu a gestão das áreas de Informação em Saúde e Prática Médica do mesmo hospital, quando se deparou com os conceitos de Value-Based Health Care. Tomou então a decisão de dedicar sua carreira a entender, difundir e implementar Value-Based Health Care contribuindo para a transformação do sistema de saúde tendo com base a otimização de valor para as pessoas. Sua formação em VBHC inclui programas de educação executiva na Harvard Business School (Prof. Michael Porter), no VBHC Center Europe (Prof. Fred vand Eenennaam), no Oxford Value and Stewardship Programme (Prof. Sir Muir Gray) e no Value Institute for Health and Care da Universidade do Texas em Austin (Prof. Elizabeth Teisberg). Em 2021, se torna sócia-fundadora da Academia VBHC (Brasil), Co-Presidente, Iniciativa de VBHC, American College of Cardiology (USA).
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