O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso suspendeu neste domingo (4 de setembro) o piso salarial nacional da enfermagem e deu prazo de 60 dias para entes públicos e privados da área da saúde esclarecerem o impacto financeiro do piso salarial, os riscos para empregabilidade no setor e eventual redução na qualidade dos serviços. A informação foi divulgada pela assessoria do STF. Este é mais um capítulo das polêmicas do piso nacional da enfermagem.
A decisão cautelar do ministro foi concedida no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7222 e será levada a referendo no plenário virtual do STF nos próximos dias. Ao final do prazo e mediante as informações, o caso será reavaliado por Barroso. A ação foi apresentada pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde), que questionou a constitucionalidade da Lei 14.434/2022, que estabeleceu os novos pisos salariais.
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Entre outros pontos, a CNSaúde alegou que a lei seria inconstitucional porque a regra que define remuneração de servidores é de iniciativa privativa do chefe do Executivo, o que não ocorreu, e que a norma desrespeitou a auto-organização financeira, administrativa e orçamentária dos entes subnacionais.
A Fehospar – Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviço de Saúde no Estado do Paraná – solicitou ingresso na mesma ação, por avaliar que o projeto de lei que deu origem ao piso tem vícios de origem e criou despesas públicas e privadas sem a devida contrapartida e previsão orçamentária. Em Curitiba, a diferença entre o piso atual dos técnicos de enfermagem e o previsto na nova lei é de cerca de 45%. O impacto, que pode ser ainda maior em outras localidades, poderá resultar em demissão de pessoal, fechamento de leitos e, consequentemente, em redução da oferta de serviços de saúde à comunidade – sobretudo em cidades de menor porte, de acordo com a entidade.
“A Fehospar entra nesta ação em sinal de apoio à causa e por estar extremamente preocupada com os impactos deste piso nos orçamentos das instituições”, explica Bruno Milano Centa, assessor jurídico da Fehospar. “Esperamos que seja proferida a liminar suspendendo a exigibilidade desta lei para que se possa encontrar caminhos sustentáveis para valorizar a profissão de enfermagem sem colocar em risco a saúde financeira, a estabilidade e a própria existência das instituições de saúde do Paraná e do Brasil”, diz.
Além da Fehospar, pediram para ingressar na ação da CNSaúde como amicus curiae instituições como a CMB (Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas), a Associação Nacional dos Centros de Diálise e Transplante (ABCDT) e a Confederação Nacional de Municípios (CNM).
Sancionada há um mês pelo presidente Jair Bolsonaro, a lei institui o piso salarial nacional para enfermeiros, técnicos de enfermagem, auxiliares de enfermagem e parteiras. No caso dos primeiros, o piso previsto é de R$ 4.750. Para técnicos, o valor corresponde a 70% do piso, enquanto auxiliares e parteiras terão direito a 50%.
O piso nacional vale para contratados sob o regime da CLT e para servidores das três esferas (União, estados e municípios), inclusive autarquias e fundações. O texto foi aprovado pelo Congresso Nacional em julho, atendendo uma reivindicação histórica da categoria, que representa cerca de 2,6 milhões de trabalhadores.
Na liminar, Barroso ressaltou a importância da valorização dos profissionais de enfermagem, mas destacou que “é preciso atentar, neste momento, aos eventuais impactos negativos da adoção dos pisos salariais impugnados”. “Trata-se de ponto que merece esclarecimento antes que se possa cogitar da aplicação da lei”, acrescentou. Ainda segundo o magistrado, houve desequilíbrio na divisão dos custos do reajuste salarial, já que repasses de recursos públicos para procedimentos de saúde seguem com taxas desatualizadas.
Serão intimados a prestar informações no prazo de 60 dias sobre o impacto financeiro da norma os 26 estados e o Distrito Federal, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e o Ministério da Economia.
Posição Cofen
Sobre a decisão e as polêmicas do piso nacional da enfermagem, o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) publicou uma nota, informando que discorda da medida adotada pelo ministro do STF. “A decisão liminar do Ministro Barroso considera o risco de inviabilidade de implementação do Piso Salarial, sob o ponto de vista puramente orçamentário e sob a falsa alegação unilateral da CNSaúde de que a eficácia da Lei põe em risco demissões e falta de leitos, razão pela qual o relator do tema no STF entendeu prudente estabelecer, via liminar, a suspensão da Lei para entender os efeitos sistêmicos da mudança legal, antes da entrada em vigor”.
Ainda traz a nota: “Ocorre que todos os estudos de impactos orçamentários foram devidamente apresentados e debatidos com todos os entes da União, Estados e Municípios, de maneira plural e transparente junto ao Congresso Nacional, com análise técnica do Sistema Cofen/Conselhos Regionais, sendo considerado viável a aprovação do Piso Salarial e sua implementação no sistema de saúde público e privado, obtendo assim a sanção presidencial para seu pleno vigor. Portanto, o Sistema Cofen/Conselhos Regionais entende que essa decisão de suspensão é discutível por não haver qualquer indício mínimo de risco para o sistema de saúde. Ou seja, a decisão do Ministro atende a conveniência pura da classe empresarial, que não quer pagar valores justos aos serviços prestados pela Enfermagem”.
O Cofen ainda destaca que tomará providências para reverter a decisão junto ao plenário do STF. “A lei 14.434/2022 é um dispositivo constitucional que nos permitirá lutar para erradicar os salários historicamente miseráveis da categoria e estabelecer condição digna de vida e de trabalho para o maior contingente de profissionais de saúde do país – 2.710.421 trabalhadores”, indica o conselho.
Polêmicas do piso nacional da enfermagem: entidades e hospitais x categoria
Uma pesquisa realizada pelas cinco maiores entidades do setor hospitalar brasileiro levantou números impactantes sobre o que vai acontecer com o segmento caso não seja apresentada uma solução ao problema do piso salarial para a enfermagem, lei aprovada sem a identificação da fonte de custeio. A Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas (CMB), Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde), Federação Brasileira de Hospitais (FBH), Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) e Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed) ouviram para o levantamento 2.511 instituições de saúde de todas as regiões do Brasil.
Dentre os participantes, 42,9% são hospitais, 52,6% são serviços de diagnóstico, 3,2% são clínicas especializadas, 0,9% são home care e 0,3% são institutos de longa permanência para idosos. Quando classificados em relação ao tamanho, 12,1% são considerados de grande porte, 19,0% de médio porte e 3,5% de pequeno porte, demais instituições 55,4%. Já em relação à natureza jurídica das instituições, 35% não têm fins lucrativos.
Segundo a pesquisa, a folha de pagamento, que já representava a maior despesa dos hospitais, será onerada, em média, em 60% – sendo que, em hospitais de pequeno porte, este ônus será de 64%. Diante deste cenário, foi questionado aos estabelecimentos quais medidas deverão ser tomadas para viabilizar a continuidade da operação e os dados mostram que: 51% terão de reduzir o número de leitos, 77% terão de reduzir o corpo de enfermagem, 65% terão de reduzir o quadro de colaboradores em outras áreas e 59% terão de cancelar investimentos. Muitos entrevistados sinalizaram a necessidade de ter que adotar mais de uma destas medidas para conseguir o recurso financeiro para o cumprimento da nova lei.
Em relação à redução de leitos, a pesquisa aponta que serão fechados cerca de 27 leitos por instituição, ou seja, mais de 20 mil leitos. Além disso, o resultado do levantamento mostra que mais de 83 mil postos de trabalho terão de ser fechados apenas nas instituições respondentes.
* Com informações da Agência Brasil, Cofen, CMB e Fehospar
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