O síndico pode cobrar o uso da máscara no condomínio?

A pandemia de Covid-19 desencadeou uma série de mudanças no cotidiano de toda a população. Uma delas foi o uso da máscara como forma de prevenção ao coronavírus, em especial em espaços de uso coletivo. Condomínios também emitiram as recomendações para moradores, funcionários e visitantes sobre a utilização do equipamento. No entanto, houve – e ainda há – questionamentos sobre isso e até mesmo recusa de alguns condôminos na adesão. Mas o síndico pode cobrar o uso da máscara no condomínio?

A advogada Juliana Vieira, do Sindicato da Habitação e Condomínios do Paraná (Secovi-PR), explica que o síndico tem o dever de zelar pela saúde da coletividade. E, em uma situação como essa de pandemia, isso se sobrepõe a manifestações individuais. Tornar obrigatório o uso da máscara no condomínio também tem respaldo, de acordo com ela, nos protocolos divulgados pelas autoridades sanitárias e em legislações estadual e municipais que tratam de doenças infectocontagiosas, como é o caso da Covid-19, causada pelo novo coronavírus. Todos os condomínios estão “embaixo desse guarda-chuva”.

Apesar disso, ainda existe questionamento sobre o uso da máscara dentro do condomínios e alguns moradores não a utilizam. No Paraná, por exemplo, há uma lei estadual que coloca como obrigatório o uso do equipamento em espaços públicos ou ambientes coletivos. “Muito se discutiu sobre a aplicação dessa legislação no ambiente do condomínio. A lei traz uma listagem de espaços, mas não coloca o condomínio bem especificado e isso faltou para a área condominial. Os decretos municipais também não trazem nada em específico”, conta Juliana. 

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Mas, no entendimento da advogada do Secovi-PR, a lei estadual cita que a máscara deve ser usada em espaços onde possa haver aglomeração de pessoas, o que pode ser aplicado para os condomínios. “O que tem acontecido nos condomínios é que alguns condôminos questionam a autoridade do síndico em cobrar o uso da máscara”, revela. A advogada afirma que, diante desse contexto e apesar dos questionamentos, há sim um reforço para a solicitação do uso da máscara nos espaços coletivos e comuns. “Gosto de ressaltar que o síndico está resguardando a saúde da coletividade, que é um dos deveres de sua função, especialmente nesse momento, no qual o direito coletivo estará se sobrepondo ao direito individual. Até porque, ao utilizarmos a máscara, resguardamos um bem maior que é a saúde”, opina.

O advogado Ricardo Campelo, membro fundador do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM) e integrante da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/PR, também acredita que o síndico têm legitimidade em colocar a obrigatoriedade do uso da máscara no condomínio, tanto pelas legislações vigentes, relacionadas ao equipamento de segurança que foram aprovadas recentemente, quanto pelo dever de preservar os interesses do condomínio. 

“Não existe uma legislação específica para condomínios e o uso da máscara, mas existe a lei federal que trata do seu uso em espaços públicos e a lei estadual no Paraná que obriga sua utilização em espaços de uso coletivo. Entendo que essa legislação se enquadra sim nas áreas comuns, inclusive vias de acesso, como elevadores. E o síndico tem fundamento legal para colocar o uso obrigatório da máscara. Uma vez que busca preservar a coletividade, zelando pelos interesses do condomínio. Mesmo se não houvesse os decretos sobre o uso da máscara, temos o consenso científico de que a máscara previne o contágio e, por conta disso, é legítimo o síndico obrigar o seu uso. Não vejo problema nenhum nessa obrigatoriedade”, declara.

Campelo pondera, entretanto, que o uso da máscara é um hábito que não estava disseminado anteriormente entre as pessoas, o que pode gerar estranheza. “Até existem muitas pessoas compartilhando que apenas quando está no elevador é que acabam se lembrando que precisavam colocar a máscara. É um hábito que as pessoas ainda estão incorporando no dia a dia e isso acaba gerando problemas. É preciso analisar se a pessoa esqueceu ou se é uma pessoa que de forma recorrente não quer usar”, analisa. 

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p class=”ql-align-center”>(Foto: Pixabay)

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Sensibilização e conscientização

Já que o síndico pode cobrar o uso da máscara no condomínio, como fazer? “Nossa recomendação primordial é para que o síndico insista na cientificação de todos”, considera Juliana Vieira. No entanto, a advogada lembra que, além da saúde dos próprios moradores, o uso da máscara para a prevenção do novo coronavírus é essencial para preservar a saúde dos trabalhadores do próprio condomínio. E é importante lembrar que o síndico é responsável como empregador também. Nesse sentido, a conscientização de todos precisa ser reforçada.  

“Temos percebido, por meio de consultorias, que o número de contágio nos condomínios aumentou consideravelmente no último mês. Tenho conhecimento de condômino que, mesmo sabendo que estava contaminado, estava circulando nas áreas comuns sem máscara e com criança, inclusive”, revela. 

Punição

O síndico pode cobrar o uso da máscara no condomínio e também pode estipular multa em caso de descumprimento? Juliana responde: “Embora não recomendemos isso, com tanta força, porque esse procedimento poderá ser questionado depois, não está fora de cogitação a aplicação da multa prevista no Regimento Interno e na Convenção do condomínio. Até mesmo porque o próprio Código Civil também prevê que é dever do condômino usar as áreas privativas assim como as áreas comuns de forma a preservar a saúde, o sossego e os bons costumes. A preservação da saúde também tem que partir do condômino. Eventualmente, o síndico pode aplicar a multa prevista no Regimento Interno,no caso de um morador colocar em risco a coletividade, de forma reiterada. Se o síndico não quiser fazer isso de forma espontânea, nada impede do condomínio ir à juízo”, explica.

A advogada enfatiza que isso ocorreria em situações extremas e ainda esclarece que as multas previstas, em legislações estadual e municipal, sobre o uso da máscara em espaços coletivos não podem ser aplicadas nos condomínios. 

Para o advogado Ricardo Campelo, o uso da máscara é um hábito novo e isso deve ser levado em consideração, caso o condomínio resolver punir o não cumprimento da regra. Ele acredita que a análise da situação e uma advertência, antes da aplicação da multa, pode ser uma boa saída neste momento. “Quem tiver bom senso, vai seguir a determinação e adotar o hábito. Mas é importante ter uma conversa antes sobre a existência da regra e evitar até mesmo que a pessoa se sinta acuada”, diz. 

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Discussão que não se encerra com a pandemia

Campelo lembra que, em junho deste ano, foi aprovada a realização das assembleias condominiais de modo on-line. As assembleias estavam, até então, proibidas para evitar a aglomeração de pessoas. Com essa novidade, as assembleias puderam voltar e o tema pode ser discutido entre os condôminos de modo virtual.

“Temos recomendado a realização da assembleia para disciplinar a questão de uso de espaço comum e o próprio uso da máscara, nesse momento. Além de discutir a punição, no caso de desobediência. Se haverá multa e de quanto será, se haverá ou não advertência antes, etc.. Ou seja, uma análise de qual será o procedimento para colocar em vigor efetivamente essa regra”, esclarece. “É importante procurar envolver da melhor forma possível os moradores nessa decisão. Orientamos que esse assunto seja levado em assembleia porque dessa forma as deciões terão mais legitimidade, evitando argumentos ao condômino que se recusa a usar máscara”, pontua. 

Nesse contexto, Campelo recomenda que o assunto seja discutido mesmo que, no condomínio, não estejam acontecendo tantos problemas. Isso porque não há expectativa de que a atual situação se “normalize” em um período breve, podendo mesmo existir uma “segunda onda” de casos de Covid-19. Tomar essa atitude evitaria novas demandas no caso de pandemias futuras ou outras situações extremas relacionadas à saúde pública. “Essa é uma oportunidade, na qual se aproveitaria o momento, em que possível fazer as assembleias on-line, para atrair uma maior participação de  condôminos às reuniões, facilitando estabelecer regras e também conhecer o que a maioria dos moradores entendem como valores razoáveis para multa, por exemplo. Quanto mais preparado o condomínio estiver, melhor”, frisa. 

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